2007/08/26

Eu preferia quando a Eufémia era vermelha

E eis que em plena silly season surge algum facto político para animar: a invasão de uma herdade de cultivo de milho transgénico no Algarve por membros (de diversas nacionalidades) de um grupo com um nome bem português: “Verde Eufémia”.

A reacção da comunicação social portuguesa foi de escândalo pela “invasão da propriedade privada” para destruição de uma “plantação legal”. O facto de a plantação ser legal é importantíssimo e meu ver é o que mais merece ser discutido. Ninguém tentou saber, porém, quem trabalhava na referida herdade e em que condições. O que interessa é que é “propriedade privada”. Quem torna a referida propriedade produtiva está, ainda assim, a trabalhar em “propriedade privada”, e isso é o mais importante de tudo.Este é um triste sinal dos tempos em que vivemos, em que “Torre Bela” é só nome de documentário.

De entre os jornais que só se importaram com a defesa da propriedade, o mais assanhado foi o “Diário de Notícias”. João Pedro Henriques, um jornalista que eu habitualmente respeito e considero muito, nas questões que coloca numa entrevista a Miguel Portas chega ao cúmulo do dislate, ao comparar a invasão da plantação de milho transgénico com uma suposta invasão da casa do eurodeputado por este fumar. Miguel Portas estaria a fumar em sua casa, algo que só diz respsito a si e à sua família. O milho transgénico, que eu saiba, não era para consumo pessoal e pode vir a ser consumido por toda a gente.

Dito isto, tenho realmente pena que os activistas, com tantos crimes ecológicos que se cometem pelo Algarve e por Portugal fora, se concentrem exclusivamente no milho transgénico. Esta é a questão que vale a pena debater, e para isso precisamos de especialistas, que eu não sou. Mas até prova em contrário eu sou favorável ao cultivo de transgénicos. Creio que as suas vantagens superam em muito os seus inconvenientes. As alternativas são o recurso a produtos químicos poluentes, que têm um impacto ambiental muito superior aos transgénicos. Ou então – e esse é com certeza o sonho da “Verde Eufémia” – um regresso à agricultura biológica. Eu conheço vários adeptos da agricultura biológica, de várias nacionalidades, todos burgueses de esquerda. A produção da agricultura biológica talvez chegue para os alimentar a eles. Talvez dê para alimentar pequenos produtores do campo com pequenas hortas. Mas nunca uma produção exclusivamente biológica permitirá fornecer todos os supermercados de uma região como a Área Metropolitana de Lisboa. Chegará para fornecer, quanto muito, o “El Corte Inglés”. Um dos principais objectivos da esquerda deve ser dar comida a toda a gente e isso, com a actual demografia, só é possível com uma agricultura de massa. Era bom que a esquerda percebesse isso.

(Encontro-me numa aldeia do distrito de Aveiro, numa casa de família com uma pequeno pomar de frutas que são biológicas desde que os meus avós morreram. Frequentemente, para me entreter, apanho um cesto de deliciosas peras. Dois ou três dias depois, metade das deliciosas peras biológicas estão boas para voltarem para a horta e servirem de adubo.)

2 comentários:

Nelson disse...

Filipe: o facto de se ter destruido propriedade privada em nome de uma causa é dos factos mais importantes da questão. Se tivessem comprado a produção ao agricultor e depois a tivessem destruido eu não teria nenhum problema com a acção.

Embora continue com a mesma posição em relação aos transgénicos (mais ou menos a favor mas gostava de ter mais informação) se a acção fosse a destruição simbólica de algo que a organização adquiriu e que portanto não causa prejuizos a ninguém, não teria nada contra.

A destruição da propriedade de alguém, sobretudo quando não viola nenhuma lei, é sempre condenável.

Quanto às respostas ao Miguel Portas, ele tava a pedi-las. A sua argumentação foi, para ser muito bonzinho, uma tristeza e indigna do cargo que ocupa.

Filipe Moura disse...

Epá a reacção do Miguel Portas foi muito infeliz, mas a pergunta do jornalista era absurda (não está online). A entrevista tinha que ocupar um certo espaço e ele tinha que o encher - é a minha explicação.